Matéria original por João Filho
Os grandes grupos de mídia entraram em parafuso após a divulgação de áudios que afogaram na lama um presidente ilegítimo que já estava com ela no pescoço. Eles, que andam juntinhos desde Vargas, que apoiaram com entusiasmo o golpe de 64 e sempre estiveram alinhados na maioria dos momentos mais cruciais da história do país, agora parecem não estar falando a mesma língua. O entrosamento no apoio ao governo Temer já não é mais o mesmo, o que ficou evidenciado pela batalha das perícias travada entre Folha e O Globo durante a semana.
Com Temer se segurando na ponta do pé à beira do abismo, o Grupo Bandeirantes fez Boechat ler um editorial confuso, contorcionista, aparentemente indignado com os casos de corrupção envolvendo Temer, mas, ao mesmo tempo, confirmando seu apoio ao governo. O trecho final é um primor:
“(…) se delitos forem confirmados, a impunidade não é uma opção. Mas as dúvidas são muitas e o presidente começa a se defender.
Enquanto isso, o Brasil continua precisando seguir o seu rumo – finalmente claro e eficiente – adotado pelo atual governo, depois de anos de insensatez. O país quer seguir adiante e não abre mão de persistir na recuperação já iniciada da economia e dos empregos. Esclarecidas todas as dúvidas, a Band espera e acredita que possa o presidente Temer dar sequência às medidas que, de fato, atendam os interesses dos brasileiros.”
Não custa lembrar que, entre julho e agosto de 2016, a Band recebeu 1.129% de aumento de repasses de verba publicitária em relação ao mesmo período de 2015. Esse é disparado o maior aumento de verbas estatais que um veículo recebeu desde a posse de Temer. Fica um pouco mais fácil compreender essa crença de que o país tomou finalmente “um rumo claro e eficiente depois de anos de insensatez”.
E as delações da Lava Jato começam a respingar na imprensa. O jornalista Cláudio Humberto, colunista do Grupo Bandeirantes, apareceu como achacador em uma das caguetagens da Friboi/JBS. Segundo o delator Ricardo Saud, lobista da empresa e mais conhecido agora como o “homem da mala”, o jornalista teria cobrado um mensalão de R$18.000 durante dois anos em troca do compromisso de parar de falar mal da empresa. Humberto, que foi assessor do ex-presidente Collor, garante que tudo é mentira e ajuizou uma queixa-crime contra Saud. Ele garante que o contrato que tinha com a JBS era apenas de publicidade, e não de compra de silêncio. Independentemente da confirmação desses fatos, é curioso que o Grupo Bandeirantes permita que o jornalista siga comentando a política nacional em programas da casa – inclusive comentários sobre a delação da JBS – como se nada tivesse acontecido. Outros jornalistas da empresa já pressionam pelo afastamento do colega até que tudo fique esclarecido.
Globo x Folha
Uma grande treta se iniciou no fim de semana passado. Na sexta-feira (19/05), O Globo publicou editorial pedindo a renúncia do presidente após a revelação da conversa gravada por Joesley. Um espanto! O Grupo Globo descobriu que Temer é corrupto e decidiu abandonar o barco, depois de passar um ano assistindo aos inúmeros casos de corrupção nas quais ele esteve diretamente envolvido. Nunca é tarde para Poliana acordar.
No domingo, o herdeiro da Folha, Otávio Frias Filho, afirmou em sua coluna que “ainda é cedo para dizer que a administração Temer acabou”. Para ele, é “discutível” afirmar que o presidente cometeu crimes. Para mim, discutível é a sanidade auditiva de quem não reconhece pelo menos um crime naquela conversa clandestina na calada da noite. Há tantos crimes no áudio – de obstrução de justiça até a prevaricação em suborno de procurador – que não é razoável imaginar que ainda faltam provas para alguém formar sua convicção.
Com essas divergências de opiniões expostas e em meio à batalha das perícias, Marcelo Coelho usou sua coluna na Folha para criticar duramente a Globo. Costumeiramente ponderado, Coelho subiu o tom e fez um apanhado de casos históricos em que a Globo abandonou o jornalismo para defender seus interesses e “deu sinais de se recusar a perceber a realidade”. Lembrou das Diretas Já, do Caso Proconsult e do debate Collor x Lula. Esqueceu de falar do apoio ao golpe de 64, mas talvez seja porque os militares contaram também com a fidelidade canina do seu empregador .
Em direito de resposta oferecido pela Folha, o diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, escreveu coluna intitulada “Vamos falar de Coelho?” em que acusa o jornalista de mentir. Kamel mirou no jornalista, mas quis atingir a Folha.
Com o governo largado ferido na estrada, o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, foi ao encontro de João Roberto Marinho para reclamar do súbito abandono – especialmente da TV Globo – e ouviu que a empresa “continuará a fazer jornalismo”. A reunião foi noticiada por Mônica Bergamo na Folha.
No momento em que Temer está mais exposto e frágil do que nunca, me parece que a grande questão por trás desse racha na mídia é se a presença de Temer se tornou ou não um empecilho para a aprovação das reformas draconianas. Se ele cair, o Congresso irá escolher um nome igualmente comprometido com as reformas. Por outro lado, pode ser que sua queda alongue ainda mais a crise política e dificulte a aprovação delas. Talvez esse dilema, somado à briga de egos, que tenha causado a divisão. Mas isso é mais um palpite do que uma opinião. O momento é nebuloso demais para se tirar conclusões.