Entrevista com Rincon Sapiência

Em entrevista registrada dias antes dos shows de lançamento oficial do aclamado ‘Galanga Livre’, o rapper relembra sua trajetória, opina com ceticismo sobre o pleito presidencial de 2018 e fala sobre o combate ao racismo e ao conservadorismo no País
Por Marcelo Pinheiro, originalmente publicado em PáginaB!
 

O rapper Rincon Sapiência na sede paulistana da produtora Boia Fria. Foto: Henrique Santana / páginaB!

Danilo Albert Ambrosio é um cidadão paulistano, de 32 anos, nascido na Cohab 1, comunidade de habitações populares verticais edificadas em Artur Alvim, na periferia da zona leste de São Paulo.

Em 2010, a vida ordinária do jovem teve, no entanto, um rebuliço. Já assumindo o codinome Rincon Sapiência, vulgo artístico derivado do craque colombiano que conquistou o mundial interclubes pelo Corinthians em 2000, Danilo arrebatou a cena do Hip-Hop brasileiro com o lançamento do clipe oficial de sua composição Elegância, escrita por ele no ano anterior.

Depois de enfrentar uma sucessão de subempregos e muita produção solitária, em 2014, o lançamento do EP SP Gueto BR não deixou dúvidas: o MC confirmava ali sua vocação para figurar como um artista hereditário da melhor tradição de craques da rima do País, como Sabotage, Black Alien, Mano Brown e Xis, os dois últimos de grande influência nos seus dias de formação.

Em maio último, o aguardado primeiro álbum de Rincon Sapiência veio à tona, incensado por um sem-número de avaliações positivas na imprensa local. Justo. Inspirado na saga mítica de Galanga, ou Chico Rei, monarca africano que, ao ser escravizado e trazido ao Brasil, conseguiu libertar a si e a outros escravos, depois de matar seu senhor de engenho, Galanga Livre reúne 13 composições primorosas e é sério candidato a figurar no topo da lista de melhores lançamentos musicais de 2017.

Dias depois de retornar de uma turnê europeia que percorreu cinco países, Espanha, Inglaterra, Irlanda, Suíça e Portugal, Rincon Sapiência recebeu a reportagem de página B! na sede paulistana da Boia Fria, produtora que, há dois anos, agencia sua ascendente carreira.

Em um longo bate-papo, marcado pela descontração e a sagacidade do artista, de oratória tão dinâmica e fulminante como em suas rimas, Rincon relembrou sua trajetória, opinou com ceticismo sobre o pleito presidencial de 2018, falou de apectos aparentemente frívolos perante a crônica social do rap, mas que ganham outros valores em seu discurso, como a importância da afirmação pela moda e do direito à dança. Além de mensurar a importância de uma viagem que fez à África em 2012, ele também esmiuçou, entre outros temas, o combate ao racismo e ao conservadorismo em ascensão no País.

Claro, o carismático MC também falou da expectativa para os dois shows de lançamento oficial de Galanga Livre, que ocorrerão nesta sexta-feira (29) e no sábado (30), no Sesc Pompeia (saiba mais).

Com a palavra, Rincon Sapiência, também identifciado pelo vulgo “Manicongo” (entenda porque, nas palavras do próprio artista)

páginaB! – Da infância para a adolescência vivida na Cohab 1, como seu deu a transição do Danilo para o Rincon? 
Rincon Sapiência – Cresci num ambiente musical bem forte, não no sentido de ter músicos na família, mas de se ouvir muita música. Nosso entretenimento sempre foi, e até hoje é, ouvir discos. Sempre teve muito vinil e fita K-7 em casa, aparelho de som 3 em 1… Por parte do meus pais tinha o lance da black music norte-americana, artistas como Marvin Gaye, Michael Jackson, entre outros, e o lance da música brasileira, do samba, do samba-rock, do Jorge Ben.

Como se chamam seus pais?
Ivani e Carlos.

Imagino que a juventude deles foi vivida na virada dos anos 1970 para a década de 80, quando era muito forte em São Paulo a cultura dos bailes black de periferia. 
Isso mesmo. Meu pai inclusive  – não vou lembrar de todos os detalhes – conheceu minha mãe num baile, em uma festa de rua que acontecia sempre. Durante muito tempo minha mãe falava pra gente “pô, por que vocês não dançam, por que não se divertem? No meu tempo, a gente se juntava pra ouvir música e dançar samba-rock”. Meu pai, muito vaidoso como eu, sempre usou cabelo bem redondo, as calças brifadinhas, com o risco certinho na perna. A música conectou os dois, então, naturalmente, quando eles tiveram filhos, a gente acabou crescendo nesse meio musical. Tenho dois irmãos e o mais velho, quando ele tinha uns 12 anos, veio com o lance do rap.

Como eles se chamam?
Leandro, que é cinco anos mais velho que eu, e Evandro, o do meio. Eu sou o nome que não rima. A quebra do fluxo (risos). Leandro ouvia muito rap com os amigos da escola. Muitas vezes eles faziam trabalhos em casa e os amigos dele colavam com os vinis, as fitas K-7 e as fitas VHS, que também era outro entretenimento forte.

Ele pegou a geração do rap que surgiu no Brasil no começo dos anos 1990? 
Sim. Nesse fervor do rap da periferia ele era o adolescente que, apaixonado, curtia os lançamentos dos discos, as fitas, os clipes, as roupas e tudo mais. Tem aquele lance do irmão mais velho ser a influência do mais novo, que quer vestir as mesmas roupas, quer ter uma turma parecida com a dele, e eu era aquele negritinho que queria estar ali no meio, mas, durante muito tempo, meu irmão falava “vai pro seu quarto”. Queria ficar com os parsa dele. No começo, ele brigava memo. Ia colocar uma fita K-7 pra ouvir, encontrava a música em outro ponto e dizia “você está mexendo nas minhas coisas!”. Com o tempo, ele passou a entender que era um lance que eu realmente gostava e ele começou a agregar, a me contar como era o rolê, o bate cabeça, o que era os “lagartixa” (segundo o grupo Doctor MCs, autor de Melô, o Lagartixa, no meio do rap, trata-se de um indivíduo considerado pouco autêntico, um “tipo inconveniente que só quer aparecer”).

Além do rap, você também era apaixonado por futebol, sonhava em ser jogador.
Com 15 anos, eu queria ser jogador profissional, mas comecei a desencanar, porque fui crescendo e me apaixonando pela rua. O futebol tem suas disciplinas, e comecei a entrar naquele lance de querer arrumar namoradas, de ficar na rua. O futebol e suas responsabilidades começaram a pesar e eu vi que gostava mais de me divertir do que daquela regra de treinar toda semana e jogar nos finais de semana. Foi aí que compus meu primeiro rap e montei minha banda.

Como era a formação dessa banda?
Era curiosa: uma bateria e duas guitarras. Não tinha baixo.

Você tocava guitarra?
Não, só cantava mesmo. Foi tudo muito rápido. Fiz um rap e o pessoal abraçou, porque estava rolando essa onda de ter muita bandinha na Cohab. Banda de reggae, de rock. Como muitas delas tocavam cover, quando fiz minha música foi um tempero a mais. Um trabalho autoral.

Como se chamava essa música? 
Só Sangue Bom. Era uma versão de Os Mano e as Mina, do Xis, que falava muito da Cohab 2, citava o Bronx, um time de lá, citava as mina, o samba. Fiz uma música com a mesma lógica, mas citando o time da minha quebrada, a Cohab 1, falando da minha rapaziada, do samba e do skate. Escrevi a música, montamos a banda e um grande amigo, que morava no apartamento acima do meu, estava aprendendo a tocar guitarra com uns moleque roqueirão do grunge, que ouviam Nirvana, Pearl Jam, essas fita. Fui cantando, ele groovou um groove bem simplezinho, de dois acordes, e passou a base para um outro guitarrista bala. Juntamos também um moleque novo no prédio, que tocava bateria na igreja, descolamos uma batera emprestada, fomos tocar e aconteceu a magia. Em pouco tempo a gente tinha essa música autoral, com nosso arranjo, nossa letra. As pessoas iam na garagem ver a gente tocar.

No lançamento de “Boogie Naipe”, Rincon visita o camarim de Mano Brown, influência inaugural de sua carreira de MC. Foto: Reprodução / Facebook

E como se chamava a banda?
Munições da 38, ou MD 38. Na Cohab as ruas são identificadas por números e a nossa era a 38.

Como era viver na Cohab 1? Pra quem não tem a dimensão, não é exagero dizer que o condomínio é uma “cidade”?
Se comparada com Cidade Tiradentes e Cohab 2, nem tanto. Mas é muito grande, ao mesmo tempo em que é um lugar que, batendo perna, você anda a quebrada toda, vai para as quebradas vizinhas. Na Cohab 2 pra você ir para determinado lugar tem que ir de busão. Na Cohab 1 sempre andei a pé. E foi ali que rolou a magia, desencanei do futebol e comecei na música. Deu um certo choque com a família, porque eles me apoiavam muito no futebol, que é um mercado bem mais promissor e rentoso do que a música, um caminho mais difícil – ainda mais no rap, um movimento de periferia, sem perspectivas maiores de colocar música no rádio ou em novela.

Tanto que, nessa época, as grandes gravadoras não davam muita atenção para essa produção. O Racionais MCs, por exemplo, se consagrou na independente Zimbabwe.
Exatamente. A relação com as grandes gravadoras até hoje não é tão boa, mas nessa época era bem menos.

Você ficou com essa banda por quanto tempo?
Durou bem pouco. Formamos a banda e em pouco tempo fizemos o primeiro show em uma praça em frente ao prédio, a Praça do Morcegão. Era um evento em que a atração principal era o Xis. O evento começou à tarde, e ele só ia tocar à noite. À tardezinha, quando ainda não estava muito cheio, os moleque foi lá e disseram “ô, nois é a banda aqui da quebrada, deixa a gente tocar?”. Fiquei morrendo de medo, torcendo para os cara falar que não, mas eles disseram “busca lá os instrumentos” (risos). Carregamos tudo na mão, tocamos com violão e o cristal, que amplifica o som, cantei e tive apoio. Desci do palco o pessoal veio dar um salve. Fui pegando gosto e sigo até hoje. Desde que comecei não parei mais de escrever. Tenho vários cadernos que encontro até hoje na casa da minha mãe.

Suas letras falam do cotidiano da periferia com a mesma desenvoltura que falam da própria música, do cinema, da moda. Como você formou esse repertório tão diverso de informações?
Levei um tempo. Como sempre falo, desde que conheci o rap, meus ídolos sempre foram os Racionais MCs. Mas era muita pretensão um moleque como eu querer ser como os Racionais ou contar experiências fodidas de vida em uma música de cinco minutos. O rap deles contava uma realidade muito adulta, de quem está no front. Quando ouvi o Xis descobri que ele tinha essa característica do rap do Racionais – o lance do orgulho racial, de falar da periferia –, mas num estilo mais zona leste, do cara que gosta de futebol, que fala sobre a relação dele com as garotas, que tem um estilo visual bacana, uma desenvoltura diferente da dos demais rappers.

Além do lance de ele também reafirmar a influência da música brasileira…
Exatamente. Ele trazia referências que me agradavam muito. Então, também quis ser rapper por causa do Xis, o que já era um viés diferente, de fazer rap falando de coisas que não eram tão habituais no rap tradicional. Comecei com uma banda, ou seja, já apareci como um ponto fora da curva. Como a banda durou pouco, passei a me virar sozinho e comecei a pegar bases de batidas de instrumental gringo. Na Galeria do Rock tinha muito disso, CDs com nomes do tipo “Bases para Rappers Volume 1”, “Bases Para Rappers Volume 2”. A gente comprava esses CDs e encaixava as letras. Baixei também o Hip-Hop Ejay, um programa de edição que já vem com vários loops de harmonias prontos, loops de baixo, de bateria, e ia encaixando nas letras.

Ou seja, compor sempre foi uma experiência solitária? Você, muitas vezes, fazendo tudo?
Sim, fazendo tudo, mas, nessa época, com algum apoio do meu irmão, Leandro, e também de um DJ do Radial, um baile que fui muito

Onde rolava esse baile?
No Tatuapé (bairro da zona leste de São Paulo). Tem um primo meu da zona norte, que é muito tirador de onda, e ele às vezes dormia em casa para ir com o meu irmão no baile de sábado do Radial. No domingo, eles acordavam contando histórias da noite, das mina que eles pegaram, do meu primo zoando os lagartixa dançando. Então, pra mim era um sonho fazer parte daquilo. Quando comecei a sair para fazer balada peguei a época dos clubbers. Ia muito para a Broadway ouvir música eletrônica, drum n’ bass; Dj Marky, Patife, essas fita. Comecei a sair com um amigo pretinho, clubber. Ia lá me divertir, mas para mim era um pouco difícil arrumar umas minas, porque o pessoal me chamava de “mano”. Todo mundo clubber, os cabelo arrepiado com sabonete de glicerina, e eu colava carecão memo, tipo rapper (risos).

Rincon e parte do elenco do clipe de “A Coisa Tá Preta”. Foto Angelo Lorenzetti

Lembro que nessa época, de forma pejorativa, os clubbers de bairros nobres, como o Jardins, chamavam esse pessoal de “cyber-manos”…
Na real, tinha os clubbers e os cyber-punks (vindos das periferias de São Paulo) que também curtiam música eletrônica, mas coisas mais pesadas, como o Prodigy. Era uma classe mais rude. Os clubbers eram meio que os emos daquela época. Tinham medo dos cyber-punks, porque às vezes saiam até umas tretas. Skatistas também não gostavam de clubbers. Então, o meu perfil era esse que os clubbers tinham medo (risos). Foi nessa época que comecei a arrumar meu pessoal, umas namoradinhas, e vi que conseguia virar a noite e curtir ouvindo música. Eu ainda era menor de idade, mas lá no Radial não rolava fiscalização. Numas três vezes que fui pra Broadway pensei “acho que agora consigo ir pro Radial”. E lá era outra fita. Não me sentia um extra-terrestre no rolê. Um dos DJs, o William, que morava na Cohab, tinha computador, Soundforge (software de edição de áudio), sabia samplear, coisas que não eram tão democráticas. Muitas vezes, para fazer as batidas, eu ia na casa dele ou de algum amigo que tinha computador. Mas o massa é que em pouco tempo de rap eu tive essa fase de usar o Hip-Hop Ejay, e pude ter um trabalho autoral e autêntico, mesmo com as minhas limitações. Às vezes, eu ia para algum festival de rap que cantava um milhão de grupos e via muitos parecidos com Racionais, Facção Central, De Menos Crime, e eu já tinha um lance meu.

Buscava outras referências?
Quando ia pro Radial eu tinha a influência do rap norte-americano. Já quis ser como o Master-P , como o DMX, como o Ja Rule. Tive também a fase do Hip-Hop Underground, que era justamente o contrário, uma cena de rap em que as pessoas não escutavam esse rap mainstream, a rapaziada escutava Mos Def, A Tribe Called Quest, Jurassic 5, um lance mais ligado a cultura do DJ, do free-style. No Brasil, minhas referências já eram o Kamau, Academia Brasileira de Rimas, Quinto Andar, esse lance, até que achei meu viés, meu vocal, meu flow.

E nessa época você fazia muitos shows?
Rolavam, mas era naquele esquema guerrilha, tocando em escola pública, no Jardim Elaine, próximo da Cohab, onde havia uma rapaziada que fazia uns eventos. O domingo todo era de rap. Rolavam batalhas de MCs, shows. Eu sempre ia como filhote de alguém. Às vezes, um grupo que tinha mais caminhada ia pra algum canto e me levava. Ia pra Francisco Morato (município da Grande São Paulo, próximo a zona leste da capital), pegava trem, andava pra caralho e, chegando lá, nada era organizado. Cantava um milhão de grupos, os shows eram longos e eu nunca sabia a hora em que ia cantar. Mas, ao mesmo tempo, como eu era novo e um grupo tinha que apoiar o outro, eu tinha disposição e apetite para segurar essa barra toda. Com o passar do tempo comecei a ficar mais chato, cobrar mais do meu trabalho e da minha produção. Depois de um bom tempo, meus irmãos compraram um computador e comecei, enfim, a colocar as músicas que eu gostava nas minhas bases. Ouvia muita música brasileira. Sampleava Eumir Deodato, Banda Black Rio e encaixava minhas rimas. Gravava num microfone dinâmico, formava repertório, tinha umas cinco músicas no My Space e todo mundo se amarrava. Depois que eu gravei Elegância, aí é que o bagulho ficou sério. Gravei a música em 2009, mas em 2010 lancei o clipe e começou a rolar dois ou três shows todo mês. Ganhava uma merreca e trabalhava com telemarketing, que pagava pouco também.

Falando das barras que você passou, antes de emplacar com a música, você teve de encarar um monte de subempregos.
Durante muito tempo tentei arrumar emprego, mas não rolava. Sempre acreditei no meu trabalho com o rap, mas era difícil. Eu era o irmão mais novo, queria usar cabelo grande, usar alargador na orelha – até usei um tempo –, mas minha mãe ficava doida “como é que você vai arrumar emprego assim? Seus irmãos trampando e você aí?”. O telemarketing foi o que me salvou, porque eu podia trampar do jeito que eu quisesse, podia ir tatuado, com a roupa ou o cabelo que eu quisesse.

Em que área de telemarketing você trabalhava?
Fazia suporte técnico de TV a cabo e internet.

Um inferno, não?
Veneno total. Mas comecei a trampar com isso para poder comprar minhas coisas. Passei três meses de experiência, vi que eu não ia ser mandado embora e comprei uma placa de som Behringer, um microfone C-3 e uma mesa de som de quatro canais. Comecei, então, a gravar melhor minhas coisas, mas, querendo ou não, fiquei lá no trampo. Meu plano era comprar os bagulhos e sair fora, mas meio que viciei nessa praia do telemarketing e ficava nessa e no rap. Na hora em que faltava o dinheiro pra comprar alguma coisa eu pensava, “putz, amanhã vou logo cedo na Força Sindical”. Ia pra lá, as pessoas olhavam meu perfil e era sempre “telemarketing”. Saia com umas três cartas de encaminhamento e uma delas cantava. Começava a trampar num lugar novo, trampava, trampava até que ficava de saco cheio e caia fora.

Voltando ao rap Elegência, a letra traz uma mensagem que, para alguns, pode soar contraditória e gostaria que você abordasse essa leitura. Explico: no ano passado, fiz duas reportagens que contavam a história dos bailes black em São Paulo e dois dos entrevistados, o Seu Osvaldo, primeiro DJ do País, e o Serjão Discotecário, que faleceu recentemente, disseram que nos anos 1960 e 1970, para além do lance da autoestima, o negro tinha também a obrigação de se vestir bem para evitar ser mal-visto pelos brancos. Como você vê essa questão?
Na real, o que vejo como marcante é que, por exemplo, nessa época que escrevi Elegância, surgiu uma safra de novos rappers, como eu, Emicida, Rashid, Projota, e essa é uma música que fala muito dessa retomada, de trazer um pouco esse lado da autoestima, que sempre teve no rap. Mas, pelo jeito que era a periferia antes, as coisas passavam muito pela crítica social, pela denúncia. A gente chegou num momento em que a classe pobre de periferia estava começando a ter mais poder de consumo, a conseguir se inserir melhor na sociedade, a ocupar mais espaços, então, Elegância é, para mim, uma música marcante por causa disso. Muitas músicas dessa época têm esse fator, mas Elegância se destacou. Algo interessante, porque o rap sempre falou de humildade, das origens. A gente vem da periferia, a gente tem que ter orgulho de onde veio, mas não tem que achar da hora ser desfavorecido. Acho que o discurso da Elegância passa por isso. Eu mesmo falando disso pode parecer muita pretensão, mas eu vejo o rap se preocupando com o visual a partir de Elegância. Uma música vanguardista, no sentido de assumir que uma coisa é você ser um cuzão egocêntrico outra coisa é você ser vaidoso, entendeu? É igual o paralelo que você fez com os bailes black, uma ideia que já vinha desde os anos 1970.

Como a dança também era para eles e é para você um elemento de afirmação racial.
Sim. Sou apaixonado pela dança. E acredito que ela tem também um apelo importante para a autoestima. Tanto é que muitas pessoas quando estão fazendo um exercício de se sentir melhor, quando passam por terapia, muitas pessoas recomendam dançar, porque a dança mexe com as nossas expressões. Mas a dança sempre foi perseguida por parte de um pensamento mais conservador. Muitos falam, por exemplo, do funk e da forma que os corpos se movimentam com sensualidade. Existiam danças de matriz africana muito antigas que já eram reprimidas por ideologias católicas e colonialistas. Quando a gente se permite dançar, a gente quebra um pouco essas ideias e também quebra um pouco a ideia, que não vem da nossa origem africana, que associa muito a dança à mulher, o que é um grande equívoco. Ao propor dança, você está propondo várias coisas interessantes: mover seu corpo; liberar energias que vêm à tona somente quando você dança; o lance do encontro com outras pessoas, principalmente no samba-rock, onde se dança em par e trocam-se os pares nos bailes. Então, eu diria que a dança também faz parte da minha proposta, como ativismo e como entretenimento.

Em agosto último, Rincon e banda no programa “Cultura Livre”, atração da TV Cultura, apresentada por Roberta Martinelli. Foto: Reprodução / Facebook

Falando do funk, o que você pensa dessa lei que pretende proibir os pancadões? 
Vejo uma mentalidade extremamente antiga. As pessoas tem problema com isso. Tenho uma amiga que trabalha com dança afro e tem movimentos que alguns mestres africanos passam que muitos brasileiros se sentem reprimidos em fazer. Principalmente as garotas, dependendo do movimento, se tiverem que abrir as pernas, por exemplo. Então, isso faz parte dessas ideias que sempre reprimiram a gente, esse movimento de que isso é errado, é profano. O funk passa muito por isso. Você pode, sim, colocar na mesa várias ideias positivas e negativas, mas o funk essencialmente propõe o encontro, o entretenimento. É muito prático você parar o seu carro, abrir o porta-malas, colocar um som e as pessoas se divertirem, cada um gastando o que pode consumir, sem a formalidade de pagar para entrar. Então, essa autonomia do funk também incomoda. O funk é um mercado muito organizado e rentável. Tem muitas pessoas ganhando dinheiro, fazendo as coisas acontecerem sem necessariamente precisar de rádio, de grandes gravadoras. Muitos artistas estão aí fazendo shows, tocam num baile em Guianazes e depois vão tocar em São Matheus. O funk é muito independente. Tudo gira pelo funk. Tudo acontece de eles para eles. Então, acho que também por isso tentam criminalizar o funk. A deixa que eles pegam é falar do que rola na periferia, no que diz respeito às drogas. Coisas que já estão lá, com o funk ou não. Então, algumas ideias, como o erotismo, já existem lá, com o funk ou não. Estão, por exemplo, nas propagandas de bebida, que sempre colocam a mulher com apelo sexual. Vejo uma gigantesca hipocrisia. Já estive numa reunião, quando meu filho estudava no prezinho…

Você tem um filho de qual idade?
Ele está com 9 anos, se chama Emanoel. A professora dele e a diretora da escola eram muito gente boa, mas houve um momento em que elas falaram que não gostavam do funk, que não achavam legal, por exemplo, ver as crianças cantando funk. Estive numa recreação promovida por eles e o tempo todo tocava sertanejo. Aí eu reparava que se falava muito de beber. Tinha uma música que tocou, que foi uma das que mais me chamou atenção, porque o cara falava para a mina deixar o namorado dela, amigo dele, e eles irem pra algum lugar discreto pra se pegar. Aí pensei, “pô, música de talarico do caramba!”. E o que acontece aí? Você vê que o martelo tem peso diferente quando se está falando de uma música de periferia, uma música de preto. Quando esses valores partem de outras pessoas, de outras classes sociais, não existe esse crivo. Então, vejo essa criminalização do funk como algo hipócrita e injusto.

E como você vê o crescimento do funk em São Paulo, que, aliás, também tem impulsionado a discussão sobre essa lei?
Acho massa. São Paulo tem esse potencial. As periferias da cidade são praticamente o Nordeste. Muito vizinho cearense, baiano, alagoano. São Paulo é um lugar que tradicionalmente trouxe outras culturas e fez suas adaptações. Isso aconteceu com o samba e também acontece com o funk. Acho bem interessante, porque mantém viva a tradição da música de periferia. Hoje em dia, o rap ganhou outro caráter. Eu mesmo vejo isso. Acho muito louco o rap estar na periferia, mas sei que falo de muitas coisas que são cabeçudas e não vão entrar no popularesco. Mas o funk é um ponto de vista de periferia, que também acaba sendo segmentado. Em São Paulo, eles criaram o nicho deles e tem pessoas que se incomodam “ah, o rap perdeu para o funk”. Discordo. Acho que o rap não perdeu para ninguém. Essa geração do funk criou, por uma série de coisas, sua identidade. São Paulo também trouxe o Passinho do Romano (estilo de dança derivado do funk surgido no bairro Jardim Romano, na zona leste). A dança e o funk são muito associados ao lance da sensualidade, saca? E o romano também é sensual, mas trouxe outro lance, outro movimento, porque agregou os homens à dança. Então, acho que o funk é do Rio de Janeiro, mas São Paulo conseguiu construir seu tempero, suas características e seu legado.

Há pouco você falou de autonomia. E quando é que você criou sua própria autonomia?
Fiz isso com a democratização dos recursos de tecnologia. Minha criatividade rende bastante, no que diz respeito a produzir e a compor, mas com o passar do tempo passei a entender que, para acontecer, tenho que colocar muita energia no meu trabalho. Sou muito fã do Lil Wayne, e tem um documentário que mostra ele uma semana antes do lançamento do The Carter III, disco que vendeu um milhão em uma semana. E tem um trecho do filme que mostra um dos managers dele recebendo uma ligação de alguém dizendo “mano, o disco vendeu um milhão”. Os caras falam “ô, vamo beber, pra comemorar” e vão até um busão avisar o Lil Wayne que ele tinha vendido um milhão. Chegando lá, ele está fumando maconha e gravando. A reação dele foi dizer pro amigo “falei procê” e só. Vi, então, que não dá pra você fazer uma parada grandiosa e querer correr pro abraço. Você tem que trampar. Em se tratando da parte artística, no que diz respeito às referências que eu trago de moda, aos looks que eu monto, à linguagem de música que eu trago, toda a parte criativa está 100% no meu domínio. Já na parte profissional, que envolve fazer negócios, há dois anos, trabalho com a Boia Fria. Tentei fazer isso também, mas nunca fui um bom administrador. Hoje, a minha autonomia passa 100% pela arte.

Falando desse domínio artístico, quando e como você começou a conceber o Galanga Livre
Galanga é um fruto natural da minha criatividade. Tanto é que boa parte do repertório já tinha sido gravada quando fiz o EP SP Gueto BR (ouça), meu disco anterior. Quando gravei as músicas do EP eu já tinha gravado, por exemplo, Ostentação à Pobreza, A Coisa Tá Preta e Moça Namoradeira. Tudo bem que a produção evoluiu com o passar do tempo, troquei alguns timbres, melhorei algumas coisas. A princípio, fizemos uma audição aqui na Boia Fria. Eu trouxe 17 músicas, tinha até mais, mas achei que tinha possibilidade maior de trabalhar com essas. A gente ouviu, fez algumas considerações, fomos batendo bola e depois levamos a seleção para o William Magalhães (líder da Banda Black Rio e filho do saxofonista e arranjador Oberdan Magalhães, fundador do grupo, falecido em 1984). Ele fez as considerações dele, se apaixonou pelas músicas, pelas letras e pela produção, mas achou que faltava alguma qualidade de textura dos sons. Foi aí que ele entrou no processo de coprodução. Quando era necessário trocar algum timbre, ele trocava; quando era necessário rever alguma parte orgânica para dar um tempero a mais, ele tocou nas faixas.

Capa do EP “SP Gueto BR”, lançado em 2014.

William é maestro de formação, não?
Sim, é maestro, e foi fazendo esse pente fino no processo de coprodução. Ele entrou muito no projeto. Não foi aquele lance de “fiz minha parte e pronto”. Tinha horas que ele me ligava e dizia “então, acho que tal coisa dá pra fazer isso”, e eu dizia “tá bom, sou pau pra toda obra!”. E também fui inventando coisas ao longo do processo. A música Crime Bárbaro, por exemplo, uma música muito significativa, que tem africanidade, tem um lance que eu vivia muito na época, que era curtir rock africano. Acho que esse foi um norte que impulsionou o disco. É um disco que tem muita guitarra e essa energia do rock. Foi por aí que eu vi que Galanga era especial, a história de um cara que mata o senhor do engenho. Fui costurando, inventando coisas e transformei isso num disco que tem todo um conceito na ligação de uma faixa pra outra.

Falando no lance do rock, o álbum inclusive abre com um sample do Tom Zé, da música Jimi Renda-Se, que tem um riff de guitarra bem roqueiro e é uma corruptela do nome Jimi Hendrix. Achei curioso, porque, na minha leitura, você tem afinidade estética com o Hendrix, tanto na coisa visual, quanto na liberdade de misturar influências musicais.
O Hendrix também foi um ponto de partida. Porque, por exemplo, voltando ao lance da pesquisa de cultura afro, tem o lance do Egito, um lugar que eu sou fascinado, pela cultura e pela história, mas que as pessoas associam esse fascínio aos brancos, sendo que eles eram pretos, saca? Então, eu vejo aí um lance parecido com o rock. Se eu tiver que desenhar um personagem roqueiro, vou fazer um cara branco, cabeludo, com uma guitarra, saca? Sendo que tem um histórico anterior de construção e nascimento do rock que é preto. Então, cheguei no Jimi Hendrix muito nessa via. Tem o trocadilho da música do Tom Zé, “Jimi Renda-se”, e eu cito o Hendrix na música Vida Longa, que também tem essas sonoridades da minha pesquisa, um pouco de rock com piano elétrico, um lance que me encanta no The Doors, e o rock cadenciou muito o Galanga Livre. Jimi Hendrix é um personagem interessante, me identifico muito com ele pela parte boêmia, o cara era um vivedor. Ele era muito cobrado por não ser tão engajado em causas sociais, mas eu acho que Jimi Hendrix por Jimi Hendrix já é um engajamento, saca?

A revolução estava nele mesmo.
Exatamente. O cara tocando guitarra daquela forma, fazendo música, na Inglaterra, num cenário de maioria branca, como o do rock, com aquele cabelo, aquele visual. Tudo isso já faz dele uma figura forte. E eu acredito muito nisso. Até porque fiz esse disco, que tem esse viés racial explícito, mas pode ser que num próximo disco não tenha mais isso, e, em não existindo isso, eu mesmo já serei a referência racial. Posso estar cantando sobre relacionamentos afetivos, sobre festas, sobre dançar, porque isso também já está em mim. Pense no Pelé, um cara que é muito criticado, até mesmo com uma certa razão, mas ele vindo de onde veio, jogando o que jogou, ganhou o status de Rei do Futebol. Um cara preto, de Três Corações, fazendo tudo isso, por mais que muitas vezes ele tenha se mostrado passivo quando não deveria ser, no meu ponto de vista, no que diz respeito à representatividade preta ele, é um cara grandioso. A história dele fala por ele, e eu vejo isso em várias personalidades. Trabalhar ativismo racial vai um pouco além de discursar sobre ativismo racial.

Nesse momento de retrocessos das políticas públicas no País e do crescimento de um pensamento conservador que, por exemplo, escancara o racismo de parte da nossa sociedade, o ativismo do movimento negro deve continuar crescendo? 
É complicado. A parte, não digo que boa, mas que está rolando, é que ao longo dos últimos anos os menos favorecidos começaram a se expressar mais e a conquistar mais. Então, se você pensar no que é mais influente de música hoje em dia, você chega na periferia, chega nos preto ou nas mulheres, chega nos gays, chega em classes que continuam sendo oprimidas, mas, que hoje, são mais inseridas do que outrora. Fora essa inserção, que foi conquistada, a gente está se informando e falando mesmo que a coisa tá preta, que a coisa não tá boa. Os gays também se assumindo e falando as parada memo, com vestimenta, com atitude. Isso tem influenciado e isso levou essa classe conservadora a se posicionar, da mesma forma que a gente se posiciona. Até porque eles falam “pô, mano, o pessoal só tá crescendo, só tá forgando, tá saindo da sua zona, mesmo que seja em passos lentos, mas taí; tá ocupando espaço, têm cotas, e eles estão se formando, tão tendo grifes, tendo canais no Youtube, tão se articulando e levando uma. A gente precisa se posicionar também!”. Então, a oposição, digamos assim, tá tirando suas máscaras, porque eles sempre existiram com esse pensamento famoso, como o do Bolsonaro, por exemplo. Pessoas que pensam como ele sempre existiram, mas de tanto que a gente se afirmou eles foram obrigados a se afirmar também, a tirarem as máscaras. Antes, a gente era apunhalado de um forma que a gente achava que tava todo mundo junto, e só tomava. Hoje em dia, os oponentes a gente já sabe quem são, e eles se posicionam. Acho que é um viés bom pra se ter as discussões e procurar resolvê-las. O Brasil sempre foi atrasado, nesse sentido. Sempre existindo o racismo, a homofobia, uma série de coisas, e a gente falando “não, que é isso?! O Brasil é da hora. O país da miscigenação, num sei o que lá…”, sendo que não é bem assim.

A democracia racial caiu em xeque?
Hoje, a parada é mais explícita, e isso leva a gente a se posicionar melhor, cada um sabe onde deve se situar e isso é um caminho para o avanço. Mas, em contrapartida, esssa pessoas que representam a oposição são influentes, pessoas que movimentam as máquinas, os grandes canais, os grandes veículos de comunicação. Daí rola essa polarização que está acontecendo agora e todo esse retrocesso. É uma situação bem difícil. Então, pode se estourar uma bomba e rolar uma saída infeliz, ninguém quer que tudo vire um caos; ou pode se estourar uma bomba e as pessoas se sentirem mais cobradas em saber votar melhor, em saber se engajar melhor, em saber se posicionar e, a partir disso, acontecer uma mudança. Às vezes, essas situações catastróficas podem desencadear situações positivas. Então, acho que estamos vivendo esse momento “aguardaremos cenas do próximo episódio”.

Você acredita na solidez das instituições do País. Há pouco você falou do Bolsonaro, e logo teremos eleições presidenciais. Hoje, você acredita na democracia?
É tudo muito explícito. Eu não tenho ligação com partido nenhum e não coloco minha mão no fogo por político nenhum. Mas sei que uma coisa democrática é você votar e escolher seu candidato. Mas aconteceu o golpe, e em pouco tempo veio todo esse lance: Amazônia, educação, saúde. O retrocesso está acontecendo e isso mostra o quanto as pessoas que são eleitas e ocupam esses cargos tem responsabilidade sobre as coisas que acontecem no País. Então, acho que a leitura a ser feita é “pessoas erradas nos cargos, coisas erradas acontecem”. Com pessoas mais éticas e sensatas, coisas éticas e sensatas acontecerão. E isso é parte da democracia. A gente escolhe na urna, mas a partir do momento em que a gente escolhe e nossas escolhas não são vigoradas, a partir de mudanças como esse golpe, acontece esse monte de merda que está aí. A gente saiu desse domínio da democracia. No Brasil de hoje, a democracia é uma mentira, uma farsa.

No Largo da Batata, em São Paulo, durante a série de shows “Música Pela Democracia”. Foto: Reprodução / Facebook

Mudando de assunto, como foi a experiência de excursionar na Europa pela primeira vez?
A viagem à Europa foi muito boa. Fui à França,  Suécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Inglaterra. Foi muito louco, porque chegando lá você vê o que é verdade e o que é mentira. Eu, que gosto muito de moda, pensei “pô, vou pra Paris, e tal “… Daí cheguei lá e vi que os brasileiros se vestem muito bem. Você vê um monte de gente cafona pra caramba (risos). Vi também um monte de problemática. Vi crianças pedindo coisas na rua, vi tráfico. E conversando com as pessoas, na maioria dos lugares que eu fui, ouvi gente falando de problemas particulares; da política, do social, das drogas. Então, o legal de ir a vários lugares é que você sai do mito e conhece a realidade. O mesmo aconteceu quando conheci o Senegal e a Mauritânia, onde as pessoas gostam de vender a coisa da África tribal.

Como é que foi essa viagem? 
Foi excelente. Mostrou esse mesmo impacto. Você vai pra África e pensa “puta, lá o bagulho é loco”, mas chega lá e vê pessoas que falam três, quatro idiomas, gente que já viajou para um monte de lugares, que manja um monte de músicos bons e que têm muitas referências.

Em que ano você foi? 
Fui em 2012. Fiquei 14 dias no Senegal e três dias na Mauritânia. Lugares que eu, tendo condições, moraria lá de boa. Passaria um ano fácil. Estando lá, eu, que gosto de pesquisar africanidades e coisas do mundo, identifiquei o quanto a Europa também é um celeiro de africanidade. Muitas das bandas de música africana tem seu trabalho constituído na Europa, na Inglaterra, na França, onde há rappers do Senegal, do Mali. Depois de conhecer esse pedaço da África, tive também a curiosidade de conhecer esse lado africano da Europa. Não demorou muito, a gente teve a oportunidade de ir pra lá e foi bem o que eu imaginei. Conheci muitos artistas interessantes. A maioria dos lugares da Europa tem essa coisa cosmopolita de reunir árabes, gente do Sri Lanka, da Índia e da África, uma diversidade. Teve situações em que eu fui pra rua em Lisboa, como na Caparica, quebrada memo, e parecia que eu tava na Cohab 2. Aquele ritmo de rua, malandrage memo, a gente ouvindo muito afrohouse. Eu ligava o bloco de nota, ia compondo na rua, e calhou que eu fui visitar o estúdio do Branco, que era do Buraka Som Sistema, e saí de lá com  uma música nova, que encaixei com uma faixa de um outro produtor, o King Kong. Posso dizer que voltei um artista novo, pensando nos novos voos.

Rincon e banda durante apresentação recente em Paris. Foto: Lisandro de Almeida

Aliás, dias atrás, Gilberto Gil revisitou o repertório do Refavela, álbum lançado há 40 anos e que também foi influenciado por uma viagem dele à África.
Exatamente. Esse disco do Gil é incrível! O Galanga Livre não tinha um nome de projeto, mas tinha essa ideia de afrorap, uma música com linguagem moderna, mas com referências de música brasileira. Moça Namoradeira, por exemplo, tem o lance do bass pesadão, mas tem  também a ciranda da Lia de Itamaracá. O poder disso eu descobri em um festival que eu fui em Dakar, que tinha pessoas do mundo todo e, mesmo não entendendo o que eu falava, elas se identificavam com meu som, pelo berimbau da capoeira, pelo paranauê. Saí de lá pensando “esse é o caminho, isso aí que você tá fazendo é global e precisa ser explorado”. É por isso que digo que nos próximos trabalhos venho com uma mentalidade global ainda maior.

E como estão os preparativos para os shows de lançamento oficial do Galanga Livre, daqui a duas semanas? 
Aquela ansiedade de sempre. A gente está trabalhando bastante pra dar o nosso melhor, pra render legal. Vai ser um registro especial da vida. Uma coisa que tem acontecido com frequência. Venho fazendo clipes que repercutem bem; neste ano, estive em vários lugares do Brasil pela primeira vez, como Belém e Recife; fui para a Europa.

O disco foi lançado em maio. Porque esse hiato até o lançamento oficial? 
Foi o tempo de preparação, de maturar tudo. Muita coisa aconteceu de lá pra cá. O disco saiu e a gente já tinha agenda fechada pra vários shows. Obviamente a gente tem feito o repertório do álbum, mas quis procurar um momento especial para marcar o lançamento do disco em um show com as 12 músicas e com a banda completa.

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Ouça o álbum Galanga Livre, na íntegra, no Youtube