Sport, uma razão para resistir – A Ilha

Em Homenagem aos 83 anos da Ilha, eu, o Profeta Gosma, escrevi uma série de três ensaios. O título da série é Sport, uma razão para resistir. Até o final desse mês de aniversário estarão todos aqui no Blog da Aconchego.

O Sport Club do Recife manda os seus jogos no Estádio Adelmar Costa de Carvalho, inaugurado em 1937. Adelmar presidiu o Sport na segunda metade do século passado, empreiteiro de arranha-céu na aurora desse conceito na cidade, que se tornaria o padrão dominante. O estádio é conhecido popularmente como Ilha do Retiro, nome do bairro onde nasceu, antigamente um sítio ilhado para engorda de bois, hoje área central da Grande Recife.

Na região, o tráfego é complicado. Jogos muito concorridos em dias úteis colapsam a região, que serve de acesso às principais rodovias para o interior do estado. Além da Ilha, com capacidade para 30 mil torcedores, estabelecimentos comerciais, educacionais, hospitalares e unidades habitacionais com diversos perfis. Os habitantes mais populares resistem com dificuldades ao desenvolvimento do bairro, tamanha pressão do capital imobiliário. Essa infelizmente é uma situação comum no Recife[1].

A transformação da região se deu através de grandes investimentos públicos e privados. Uma paisagem urbana densa, composta de avenidas, túneis, pontes, canais, estação elétrica e arranha-céus. A Ilha está no mesmo terreno da sede social do Sport, um complexo recreativo e esportivo de grandes proporções. Faz em torno de uma década que os jogadores e jogadoras raramente treinam nessas dependências, desde que o Sport inaugurou o seu Centro de Treinamento em outro município. As obras do C. T. ainda não foram concluídas. 

Esse patrimônio imobiliário é o alicerce das finanças do clube, geralmente críticas e mantidas sob um regime de confidencialidade. Sequer os associados possuem informações detalhadas, mesmo com a promessa de transparência por todos os presidentes que assumem o clube. O conjunto arquitetônico desse complexo é classificado de ultrapassado, ainda que a proximidade da Ilha seja um dos maiores fatores de especulação no bairro.

Em 2019, inicia a atual gestão do clube e novamente veio à tona o projeto de modernizar a Ilha e consequentemente a sede. O projeto do novo estádio começou a tomar fôlego com os preparativos para segunda Copa do Mundo no Brasil. Nesse período, estádios brasileiros clássicos foram totalmente remodelados. Um dos resultados desse processo foi a ausência de muitos torcedores e torcedoras antes assíduas. Em grande parte pelo aumento drástico do preço dos ingressos. Há outras causas, como o aumento da vigilância e a supressão dos setores mais populares. O caso mais icônico desse processo foi a demolição da geral do Maracanã.

A Ilha do Retiro é o estádio nordestino, além do sul e sudeste, a ter sediado uma Copa do Mundo e onde se conquistou um campeonato brasileiro e uma copa do Brasil. Em Recife, uma das marcas do declínio evidente do convívio é a falta de consideração pelo valor histórico, dessa maneira o trabalho e a participação do povo nas lutas sociais que sustentam e animam a cidade são cada vez mais deslocados. A tendência é que o bairro da Ilha do Retiro seja novamente ilhado e sirva exclusivamente à engorda do capital especulativo. É o desenvolvimento.

O novo estádio é visto pela diretoria como uma solução a longo prazo para sobrevivência do clube. Em Recife, de modo geral, a solução urbana geralmente apresentada é a construção de um tipo de estrutura que não favorece a cidade como um todo. A síntese corrente, entre os movimentos ligados a questão urbana na cidade, aponta o capital como o chefe do planejamento urbano. Voltando ao novo estádio, apesar da conclusão do projeto, a torcida não está ciente das possíveis mudanças nas divisões internas da Ilha do Retiro. Uma informação de suma importância para antecipar aos torcedores e torcedoras do Sport se a sua presença ainda se fará possível e qual seria o espelhamento das tensões sociais nesse novo estádio. É um fato que as torcidas estejam ajudando a manter o clube hoje, mas que no futuro planejado pelo clube não seja contemplada a presença delas nas arquibancadas. O drama nordestino de construir a estrutura e não desfrutar dela.         

Nesse momento, o maior entrave é a falta de recursos. Intrigante como a construção de estruturas pensadas para as elites dependam de investimentos públicos. É o caso da Arena Pernambuco, construída para sediar a segunda copa do mundo no estado. A arena custou em torno de um bilhão e raramente é útil. No entanto, não sofre ameaça alguma.

Decisões são tomadas assim de forma arbitrária porque no futebol brasileiro não se formou uma esfera pública capaz de controlar o poder político dos clubes. Não se apresenta, inclusive no Sport, a tradução da massificação do futebol e dos clubes na democratização dos seus processos deliberativos. Por isso a contradição de apontar o futuro de um clube na construção de um novo estádio, em que boa parte da torcida corre o risco de não estar lá caso fique pronto. De toda forma, isso não é motivo para pensar que algum dia tenha sido fácil, para grupos tradicionalmente oprimidos no Brasil, tomar lugar nos estádios. Não é diferente na Ilha.

Parabéns aos 83 anos da Ilha do Retiro! O primeiro grito de gol na Ilha foi obra de Artur Danzi em um confronto que depois veio a ser chamado de Clássico das Multidões. Era 4 de Julho de 1937, em um típico inverno recifense. Nesse jogo ele fez mais quatro. O gol que selou a vitória apertada foi de Haroldo Praça. Antes do cancelamento das partidas por conta do corona, o último grito de gol foi dado novamente em um Clássico das Multidões, pela Copa do Nordeste. Gol decisivo de Elton aos 33 do segundo tempo. Então como é?!

Próximo ensaio: Chegando lá na Ilha do Retiro…


[1] Para mais informações sobre o entorno da Ilha, ESPAÇO, HISTÓRIA E POLÍTICA: ATORES E AÇÕES NO BAIRRO DA MADALENA. Luciana Helena da SILVA, Jan BITOUN, 2007.