Execuções no Bode

Segundo a versão oficial, há uma semana atrás, em Ouro Preto, a Rádio Patrulha invadia a Rua Golfinho para cumprir um mandato de prisão. Houve um tiroteio, o sargento Ricardo Sales e o cabo Isaldo Ferreira foram alvejados. O cabo foi para o hospital em estado grave. O sargento, sem colete, morreu. Em Recife, são 2.500 assassinatos desde o começo do ano.

Em uma postagem na página da Rádio Patrulha, em memória do sargento, muitos comentários reproduziam uma contradição inerente à militarização das polícias, a suposta guerra santa entre policiais e vagabundos a encobrir o genocídio das populações negras e o estado de exceção. Vamos a alguns dos comentários:

Tem que pegar esse bamdidos e botar pra fuder sem dó sem piedade, pois esses bandidos não tem pena da Polícia, e então pq ter pena desses bandidos mizeraveis e covardes.
Bandidos tem que pegar e executar sem pena.

Verdade direitos dos bandidos quero ver ate quando esse direito vai defende bandido e nossos pai de família morrendo agora uma coisa bandido tem que morre e não esta preso.

Mais uma Familia de um guerreiro sofrendo por conta desses vagabundos, de uma coisa eu tenho certeza, o RAIO VAI TE PEGA  vagabundo (“o raio” é símbolo da Rádio Patrulha).

A inteligência da polícia arranca a informação que os acusados de assassinar o sargento estão escondidos no Bode. Vale salientar que tais acusados já foram identificados, inclusive os policiais foram alvejados quando tentavam prendê-los. Desde então, a repressão policial se intensificou sobre a comunidade. São relatos de baculejos ainda mais ofensivos, averiguações ainda mais invasivas nas residências e rondas ainda mais ostensivas com intuito de aterrorizar a população. E execuções. Na noite de quinta-feira (15/06), Esdras Henrique, 19 anos, foi executado agarrado a um tronco. Relato da delegada Eliane Caldas, responsável pelo caso:

“Eles entraram em um beco, que vai dar em um chiqueiro e umas palafitas. A vítima estava assustada, não sabia nadar, e ficou segurando em um pedaço de madeira, quase submerso. Mas mesmo assim levou um tiro na cabeça”.

Segundos os moradores, dezenas de policiais chegaram atirando, muitos saíram correndo em direção à maré, Esdras, como não sabia nadar, ficou agarrado a um tronco. O corpo de Esdras só pôde ser retirado da maré depois da saída dos policiais.

No sábado (17/06), foi a vez de Ramon Gonçalves, 30. Os moradores relatam:

“Ele era um trabalhador. Estava sentando, esperando o ajudante pra ir trabalhar. A viatura passou, os policias desceram e atiraram nele. Temos medo da polícia. Ela virou pior do que bandido”.

Segundo os familiares, Ramos foi jogado ainda com vida na mala de uma viatura, mas entrou sem vida na emergência.

As duas execuções renderam protestos da comunidade, que bloqueou a Av. Domingos Ferreira em duas oportunidades para chamar a atenção da imprensa e do governo Paulo Câmara. Para Severina Maria e Meridiane Silva, a avó de Esdras e a cunhada de Ramon, a justiça precisa ser feita, os assassinos devem perder sua farda, assim impedidos de matar outros pobres em nome da lei.

Algo que não deve sensibilizar o governo Paulo Câmara, que para responder à explosão dos homicídios e dos assaltos à mão armada, pautou a segurança no protagonismo dos esquadrões da morte (ROCAM, GATI, RP…), lançando mão inclusive da criação de uma franquia da morte, o BOPE. Além disso, vem criminalizando as associações policiais, críticas da militarização e do salário baseado em apreensões, prisões e jornadas extenuantes. Em 17 de março, durante uma manifestação contra a insegurança pública, em Itambé, Edvaldo Alves da Silva, 19, foi executado pela polícia militar.

Diante das evidências, a Secretária de Defesa Social insiste que a morte de Esdras e Ramon foram decorrentes de confrontos, ou seja, sinal verde para mais execuções, estão acobertados os grupos de extermínio. O estado é assassino.

A natureza militar e genocida da polícia fundamenta a concepção de que jovens negros e periféricos não são pessoas, mas bandidos, de que as periferias não são comunidades, mas campos de concentração. Um policial é morto, se a guerra contra a bandidagem é santa, civilizatória, a questão é executar qualquer jovem negro para fazer vingança, e assim ganhar a guerra.

Até quando o genocídio será o modus operandi da segurança pública no Brasil? Até quando uma sociedade dita democrática conviverá a militarização da segurança pública? Até quando um policial morto em operação será justificativa aceita para chacinas?

Periferia resiste.