S. B. #12 – Grandes discos nacionais pouco conhecidos – SP Metal Vol. 2 (1985)

Chegamos aos preparativos para a passagem do ano cercado de mortes por todos os lados. Há pouco clima para celebrar a vida. Pedimos aos\às ouvintes que evitem aglomerações e usem máscaras. Nesse momento, não é correto agirmos normalmente. Além da vacina, depende de nossas atitudes a prevenção de milhares de mortes. A impaciência pode enfraquecer a disciplina desse esforço, já que estamos esperando há tanto tempo, mas a bem da verdade não sabemos o dia de amanhã, do vírus e as suas ondas e variedades. Precisamos nos preparar para dias melhores ajudando a proteger as pessoas.

Num período de consumismo e futilidades acima da média, o Estúdio Cara de Rato apresenta a décima segunda Sessão Barulho, com a segunda parte dos Grandes Discos Nacionais Pouco Conhecidos. Júlio Oliveira introduz o SP Metal Vol. 2 (1985) para os não iniciados. Quem já conhece esse clássico pode aproveitar a oportunidade de saudar e curtir essa produção icônica.

Sessão Barulho #12

SP Metal Vol. 2 (1985)

1    Santuário    Espartaco, Gladiador Rei    
2    Korzus    Principe Da Escuridão    
3    Abutre     Rock, Rock, Rock    
4    Performances    Viajante Perdido    
5    Abutre     Quando O Fogo Começa Arder    
6    Performances    Guerreiro Da Paz    
7    Santuário    Santuário    
8    Korzus    Guerreiros Do Metal

Saca uma entrevista que a revista Roadie Crew fez com o histórico Luiz Carlos Calanca:

Luiz Carlos Calanca, paulista de Florida Paulista, 51 anos de idade, é o responsável pelo projeto “SP Metal”. A loja de discos Baratos Afins, aberta em 24 de maio de 1978, estava com a intenção de lançar diversos álbuns de bandas da efervescente cena do Metal paulistano, já que em meados dos anos 80, o Hard Rock e o Heavy Metal (“Rock Pauleira” ou “Rock Pesado”, como alguns classificavam na época) começaram a tomar força, rejeitando laços com a MPB, como ocorreu com o Tropicalismo. De um lado estavam as bandas de Hard Rock e de outro as mais pesadas do Heavy que, juntas, formavam um circuito que teve um início tímido, mas conseguiu agrupar uma grande legião de seguidores fiéis. O local chamado de Grandes Galerias, hoje conhecido mundialmente como Galeria do Rock, localizado na região central de São Paulo, abrigava pouquíssimas lojas especializadas em Rock, entre elas a Baratos Afins. Lá só existiam as lojas da rede Cartaz no piso térreo, nas duas entradas, e a Wop Bop no segundo andar, que mudou de endereço meses depois. Como Calanca não dispunha da quantia necessária para soltar no mercado todos os lançamentos que gostaria, resolveu apostar em uma coletânea. O resultado todos devem saber, pois as duas edições do “SP Metal” tornaram-se marco da história do Metal nacional. A primeira, gravada entre agosto e setembro de 1984 e lançada meses depois, trazia o Salário Mínimo, Centúrias, Vírus e Avenger. O volume dois, que saiu em 1985, contava com o Korzus, Abutre, Performances e Santuário. Com a palavra, Luiz Carlos Calanca!


Roadie Crew: Como surgiu a idéia para a coletânea “SP Metal”?

Luiz Carlos Calanca: Estava vivendo aquele momento e eram muitas bandas. Como não tinha grana para produzir todas, apelei para a coletânea, que daria espaço para mais bandas.

Roadie Crew: Como foi o processo de escolha das bandas?

Calanca: Para o primeiro volume foi tudo muito natural. As bandas escolhidas eram as que estavam mesmo mais presentes na cena. Eu também estava envolvido com toda aquela ebulição e sempre a procura de novos espaços para divulgar nossos lançamentos e também abertos a novas bandas. Acho que a Praça do Rock na concha acústica do Parque da Aclimação (SP), organizadas pelo Dalam Jr., da banda Mercúrio, foi talvez o mais importante espaço para nossas exibições. As reuniões para definir que banda tocaria lá eram feitas na sede do Jornal do Cambuci e na própria Baratos Afins. Conseqüentemente, acabamos escolhendo as que julgamos ser as melhores.

Roadie Crew: Conte alguns detalhes e curiosidades do processo de gravação das músicas para o “SP Metal”.

Calanca: Estava pensando em produzir um disco com o Centúrias. Aí pintou o Salário Mínimo. Já tinha o Abutre e a Chave do Sol e o Harppia, mas os dois últimos foram limados da coletânea para dividir um Split, idéia que foi abandonada e mais tarde cada um ganhou seu álbum. Outra que teve um álbum cheio nessa época foi o Karisma do ABC. Acho que não conseguimos passar para o disco a boa performance do Avenger, que era muito legal ao vivo, e também batalhou muito para a realização do projeto.

Roadie Crew: Como foi a elaboração da arte da capa?

Calanca: A capa foi feita pelo Flavio do Vírus. Eu sugeri para ele utilizar o mapa do estado para simbolizar São Paulo e que incluísse os logotipos de cada banda. Ele apresentou aquilo pronto cheio de raios feito com técnicas de holografia e todos gostaram e aprovamos. A arte ficou também para o segundo volume.


Roadie Crew: Como foi a receptividade do público após o lançamento do LP?

Calanca: A princípio o pessoal torceu o nariz. Nosso selo já tinha o Arnaldo Baptista, Os Mutantes estavam sendo relançados e o Patrulha do Espaço também. Estávamos lançando as bandas Coke Luxe, que era Rockabilly, além do Felline e Voluntários da Pátria, que tocavam nos circuito das danceterias tipo Radar Tan Tan e Madame Satã, que me lembro bem, pois foi inaugurada com show do Abutre e logo depois com A Chave do Sol. Mais tarde virou o reduto dos New Wave e Darks. Também chegamos a fazer um show de lançamento do “SP Metal” no clube Paineiras do Morumby, que foi o maior fracasso, mas logo veio a onda dos mega shows internacionais e pegamos carona no sucesso do “Rock In Rio”. Naquele período, o assunto era Rock e Heavy Metal e os headbangers não gostavam de ser chamados de “metaleiros”. Nas emissoras de TV só falavam de Rock, criaram revistas só para abordar o assunto e algumas passaram a nos chamar de “os filhos do Rock In Rio”… Fazer o que, né? (risos).

Roadie Crew: Como era a união das bandas participantes?

Calanca: Até que elas eram bem unidas. Tinham umas briguinhas e críticas, mas era para fortificar a cena, ninguém se machucava. No segundo volume a banda Cérbero, que deixou de participar – me parecem que eles queriam estar no primeiro volume, não sei -, deu a vaga para o Korzus.

Roadie Crew: Como você se sente sendo parte importante da criação da cena do Metal nacional? Como pode comparar o nosso cenário na época do “SP Metal” com o que temos atualmente?

Calanca: Eu não me acho importante por isso. Acredito que as bandas sim é que tiveram um papel fundamental, pois se eu não fizesse alguém teria feito. Nem foi por isso que fiz! Sempre me identifico com o meu momento e naquele momento eu estava realmente envolvido com aquele. Estava no centro do negócio e talvez eu fosse para o gênero o único produtor interessado naquilo fora das grandes gravadoras e era só o que as bandas tinham também.

Roadie Crew: Quais as outras bandas nacionais daquela época você destacaria?

Calanca: Acho que se o Cérbero tivesse gravado faria o Sepultura parecer uma pálida cópia, com todo respeito ao Sepultura. Aproveito o momento para me desculpar pelo que foi publicado noutra entrevista e em outra revista em que eu disse que “Eu, Luiz Calanca não tinha cultura para falar do Sepultura”, mas publicaram entre risos que eles é que eram sem cultura… Eu me senti muito mal! Mas, voltando ao assunto, como o Cérbero não teve registro o destaque é mesmo para o Sepultura.

Roadie Crew: De todas as bandas participantes das duas edições do “SP Metal” somente o Korzus e o Salário Mínimo ainda estão na ativa. O que ocorreu?

Calanca: O mundo da música é assim mesmo, ninguém é para sempre. Banda é como uma empresa e tem problemas de ordem pessoal, financeira, divergências ideológicas e de estilos, pessoas se casam, outras viram evangélicas e etc. Algumas persistem. O Korzus, por exemplo, foi uma banda atribulada de problemas e cheguei a participar do stress do primeiro baterista, o Brain, que achava que estávamos ficando ricos com as vendas do “SP Metal”. Depois veio a saída do Toperman”, teve um outro que se enforcou tirando a própria vida (N.R.: O baterista Zema, que gravou o álbum Sonho Maníaco. E teve um que foi o pior de todos, aquele que virou pagodeiro… (N.R.: O guitarrista Marcelo Nicastro) e a banda resistiu ao tempo e provou que, enquanto tiver o Silvio, Dick e o Pompeu juntos o Korzus não vai acabar!

Roadie Crew: Por que você se decepcionou com o meio do Heavy Metal? A Baratos Afins não pretende mais apostar em nenhum novo talento desse estilo?

Calanca: Me decepcionei porque depois de muito ralar consegui dar um ‘start’ no cenário e despertamos também a atenção de outros empresários, que tinham interesse em investir na cena e as coisas foram se avolumando, os espaços que havíamos conquistado passaram a ter secretárias com seus tesoureiros e patrocinadores nos expulsando da área e nos tirando o controle que nem tínhamos. Mas, o que mais chateava mesmo é que ninguém fazia nada novo e só procuravam pelo que eu já tinha feito! Veja só, a Devil iniciou no ramo lançando o Korzus e, logo depois, o Ness; a Lunário Perpetuo queria gravar – ou gravou – o Vírus, que nunca saiu; a Rock Brigade pegou a Chave do Sol, o Alta Tensão e os restos do Harppia; a Lupsom pegou o Salário Mínimo; a Cogumelo o Ratos de Porão. E não ficava só nisso, outras bandas que não era Metal também eram sondadas, a Wop Bop que também virou selo também gravou o Felline, que já tinha três álbuns na Baratos. Sem contar as grandes gravadoras, como a EMI com as Mercenárias, a WEA pegou o Gueto, a Continental o 365, a CBS o Nau e a Eldorado com o Golpe de Estado. Era sempre assim, eu levantava a bola e aí vinha um “grandão” e chutava. É claro que as bandas também sonhavam com algo maior e topavam as propostas. Então achei que todos estavam me perseguindo e “gozando com o meu pau”, então resolvi abandonar a cena Rock e fui fazer o Jazz do Bocato, e a MPB de Itamar Assumpção, entre outros. Anos depois, muitos destes selos foram extintos e novos foram criados, mas a perseguição continuava. A Aqualung também iniciou como selo fazendo um quase pirata do Patrulha do Espaço, usando metade dos nossos fonogramas; a Progressive Rock chegou a piratear o Harppia, e também relançou o Som Nosso de Cada Dia, que já tinha passado por nós. Acho que o tempo mostrou minha cara limpa. Hoje me orgulho de ainda ser amigo de todos os músicos dessas bandas porque nunca pisei na bola de ninguém e, na verdade, não apostei mais no estilo porque nenhum fez minha cabeça. Parece que a da concorrência também não, se não eles não fariam o mesmo que eu já tinha feito. Também não quero dar passo para traz, acho que eu aprendi um pouco depois de mais de 160 produções e também acho que ninguém está produzindo algo de muita relevância no gênero. O Harppia, que já havia tentado alguns vôos não decolou com a formação do Sete e o Flight, mas acho que eles estão numa boa fase agora, com o Jack e o Ravache da formação original, pois conseguiram arregimentar um bom time. Eu já manifestei o desejo de produzir um disco deles, mas gostaria que ele tivesse uma sonoridade mais Hard e menos Metal por ser uma característica deles. Pode acreditar que poderíamos fazer bonito.

Roadie Crew: Deixe uma mensagem final para a nova geração, que não teve contato direto com a época do “SP Metal”.

Calanca: A geração de agora pode se sentir privilegiada em relação da época do “SP Metal”. Hoje em dia no Brasil existem centenas de pequenos, mas brilhantes, selos alternativos, boas lojas que vendem e alugam instrumentos nacionais e importados – embora acho que se pode fazer som com qualquer equipamento barato -, temos bons estúdios, bons técnicos e bons produtores. As bandas só precisam ter identidade própria, ser originais, criar letras bacanas sem apelos sexuais, escatológicos ou violentos, ter bom gosto na timbragem dos amplificadores. Se puder, nunca diga “alô, teste, experiência um dois três”, nem afine seu instrumento com público presente, porque é muito pedante.

Fonte: http://armazemdamusicabrasileira.blogspot.com/2014/02/coletanea-sp-metal-i-ii.html

Lembrar que a Rádio Comunitária Aconchego veicula a Sessão Barulho, todas as quartas, às 22 horas. Continuamos sem frequência FM, mas quem gera é a transmissão na internet, 24 horas por dia. Paciência, nosso espacinho nos ares da Zona Oeste há de voltar em breve. E como será importante sintonizar a Aconchego para nos situarmos pós-pandemia, um desastre sanitário de proporções incalculáveis, que continuará nos afligindo por um longo tempo.

E para escutar a rádio na internet? Aqui no nosso blog você pode escutar cada programa veiculado pela Aconchego e também ouvir a rádio ao vivo. Ao passar no blog, aproveite e deixe a sua contribuição para manter nossas atividades. Na página inicial, há um link para apoiar a comunicação livre e popular.

Geralmente voltamos toda semana com um programa inédito, toda quarta, às 22 horas. Caso não aconteça, reprisaremos um dos 17 programas produzidos até agora com a parceria entre a Rádio Comunitária Aconchego e o Estúdio Cara de Rato.

A Sessão Barulho #12 contou com os trabalhos do Estúdio Cara de Rato. Júlio Oliveira, na apresentação, roteiro e pesquisa musical, Filipe Francisco, na pesquisa musical, e Diego Gosma, na edição e texto para o blog.

O Curto Circuito Underground e a Sessão Barulho são de Domínio Público e podem e devem ser aproveitados livremente, exceto por iniciativas com finalidades lucrativas e/ou ideais fascistas, fundamentalistas e conservadores.